Pulsão de Morte para Freud e Schopenhauer

 


1. A Pulsão de Morte em Freud (Beyond the Pleasure Principle, 1920)

Freud introduziu a Pulsão de Morte em um momento crucial, marcado pela Primeira Guerra Mundial e por suas reflexões sobre a compulsão à repetição.

·         O que é: É uma pulsão intrínseca a todo organismo vivo que trabalha silenciosamente em direção à sua própria destruição, visando a redução total das tensões, o retorno a um estado de equilíbrio absoluto: o estado inorgânico.

·         Função: A principal função da Pulsão de Morte é desligar as conexões, desfazer unidades, levar a vida de volta ao repouso da matéria inanimada. É o princípio do Nirvana (busca do zero de excitação).

·         Manifestações:

o    Para dentro (Primária): Dirigida para o próprio sujeito, é a base do masoquismo primário e, em última instância, da própria morte natural.

o    Para fora (Secundária): Quando projetada para o exterior, transforma-se em pulsão de agressão ou destruição, manifestando-se como ódio, crueldade e sadismo.

o    Clinicamente: Observada na compulsão à repetição – onde o sujeito repete traumas e experiências dolorosas, contrariando o princípio do prazer.

·         Dualismo Pulsional: Freud estabeleceu um dualismo fundamental:

o    Pulsão de Vida (Eros): Busca a união, a construção, a preservação da vida e a criação de unidades mais complexas.

o    Pulsão de Morte (Thanatos): Busca a desunião, a destruição e o retorno ao inanimado.

Resumo Freudiano: A vida é um desvio, uma agitação temporária, em direção à morte. "O objetivo de toda a vida é a morte." - Freud.


2. A Vontade Cega e a Negação em Schopenhauer (O Mundo como Vontade e Representação)

A filosofia de Schopenhauer é profundamente pessimista e serve como um precursor metafísico para a ideia freudiana.

·         A Vontade (Wille): É a coisa-em-si, a essência cega, irracional e incessante do universo. É um esforço sem propósito, um querer-viver eterno e insaciável que se objetiva em todos os seres.

·         A Vida como Sofrimento: Como a Vontade é um desejo contínuo, a vida é marcada pela carência e pelo sofrimento. A satisfação de um desejo só gera tédio, até que um novo desejo surja. É um pêndulo entre a dor e o tédio.

·         A Morte como "Falsa Saída": Schopenhauer não vê a morte como um alívio verdadeiro, pois a Vontade é metafísica e impessoal. O indivíduo que morre é apenas uma manifestação temporária da Vontade, que continua a se manifestar em outros.

·         A Verdadeira Saída: A Negação da Vontade: A única libertação genuína do sofrimento é a negação da Vontade de Viver. Isso é alcançado através:

1.    Experiência Estética: Momentânea suspensão da Vontade ao contemplar uma obra de arte.

2.    Compaixão (Moral): Reconhecimento do sofrimento universal, quebrando o egoísmo.

3.    Ascetismo: Negação deliberada dos desejos do corpo e da vontade de viver, seguindo um ideal de resignação (como um santo ou monge).

Resumo Schopenhauriano: A vida é um erro, um impulso cego e doloroso. A salvação está em calar essa vontade.

A Diferença Crucial:

·         Em Schopenhauer, a "vontade de viver" é a fonte do mal e do sofrimento. A negação consciente e moral dessa vontade é a solução ética e filosófica.

·         Em Freud, a "pulsão de vida" (Eros) é o que nos mantém vivos e constrói a civilização. A pulsão de morte é a força contrária, que busca a dissolução. Para Freud, não há uma "solução" moral, mas sim um manejo inevitável e conflituoso dessa dialética através da cultura e da psicanálise. A civilização não nega a pulsão, mas a redireciona (ex.: usar a agressividade para o trabalho).

Conclusão

A aproximação é inegável. Tanto Freud quanto Schopenhauer identificaram uma força obscura, primordial e destrutiva no cerne da existência. Para Schopenhauer, essa força (a Vontade) se manifesta como o "querer-viver" que gera sofrimento. Para Freud, essa força (a Pulsão de Morte) é justamente o que se opõe ao "querer-viver", buscando desfazê-lo.

Podemos pensar que Freud biologizou e psicologizou a intuição metafísica de Schopenhauer. O que era uma Vontade cósmica em Schopenhauer tornou-se uma pulsão inerente ao organismo em Freud. Ambos, porém, concordam em um ponto fundamental: há um princípio de não-vida, de quietude e de dissolução, operando no próprio coração da vida.

REFERÊNCIAS

BBC NEWS BRASIL. Pulsão de Morte: o polêmico conceito freudiano que vê 'instinto de destruição' como força motriz da humanidade. [S. l.], 25 out. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-50156964. Acesso em: 21 out. 2024.

FREUD, S. Além do princípio do prazer. In: FREUD, S. Obras completas: volume 14. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 121-200.

FREUD, S. O mal-estar na civilização. In: FREUD, S. Obras completas: volume 18. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 13-122.

SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação. Tradução, apresentação e notas: Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

SCHOLL, R. T. A pulsão de morte na obra freudiana: um debate necessário. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 23, n. 4, p. 902-920, dez. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rlpf/a/KnSv7pQjL5Zr7jTctnGJ7kk/. Acesso em: 21 out. 2024.

Nenhum comentário:

Postar um comentário